O patrimonialismo para Sérgio Buarque de Holanda

Sérgio Buarque de Holanda, em seu livro Raízes do Brasil, foi o primeiro autor que utilizou o conceito patrimonialismo para descrever a política brasileira. O livro é definido por Antonio Candido, autor do prefácio, como um “clássico de nascença”, exercendo grande influência na historiografia e ciências sociais brasileiras. Para o autor, as nossas raízes históricas e culturais devem servir de base para compreendermos a organização política brasileira. Desta forma, em Raízes do Brasil, o autor identifica elementos de indiferenciação entre o público e o privado na sociedade brasileira e os relaciona com a estruturação da família, considerando a forma ibérica como o país foi colonizado.

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Sérgio Buarque de Holanda


 

 

Neste contexto surge a figura que Sérgio Buarque de Holanda denominou como homem cordial. Esse indivíduo é caracterizado por conduzir todos os seus atos sociais com base em seus valores familiares, não sabendo diferenciar o tratamento devido às questões pessoais daquele devido às questões de âmbito público. Como consequência ocorre de “predominarem, em toda a vida social, sentimentos próprios à comunidade doméstica, naturalmente particularista e antipolítica, uma invasão do público pelo privado, do Estado pela família”.

 

Na família patriarcal, os vínculos são baseados em sentimentos e deveres, unindo um chefe aos seus descendentes. O senhor rural possuía uma autoridade praticamente inquestionável. Foi esse modelo social sustentado por laços de afeto e de sangue que moldou as instituições políticas e sociais brasileiras.

 

 

O patrimonialismo na esfera pública

 

A influência da esfera dos contatos primários, formados pelos laços de sangue e de coração, foi inquestionável nesse período. A partir dela, os brasileiros começaram a tratar os assuntos do Estado de modo pessoal, confundindo o público com o privado. Neste momento surge também a ideia de apropriação do Estado, ou seja, a utilização do bem público para enriquecimento individual. Para Sérgio Buarque de Holanda, na vida pública, o homem brasileiro não considera a diferença entre interesse coletivo e privado.

 

Tratando a gestão pública a partir dos interesses particulares, o homem público brasileiro considera que as funções e os benefícios que lhe foram concedidos referem-se a direitos pessoais conquistados, e que portanto pode se apropriar totalmente deles. A própria escolha dos homens que exercerão as funções públicas ocorre através de acordos baseados na confiança pessoal que os candidatos merecem e não em suas capacidades.

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Raízes do Brasil, Companhia das Letras, 2015.


O Estado e a Sociedade

Para Sérgio Buarque de Holanda, a relação entre o Estado e a Sociedade só pode ocorrer quando as questões particulares privadas forem sanadas, com o predomínio do coletivo.  Para o autor:

“O Estado não é uma ampliação do círculo familiar e, ainda menos, uma integração de certos agrupamentos, de certas vontades particularistas, de que a família é o melhor exemplo. Não existe, entre o círculo familiar e o Estado, uma gradação, mas antes uma descontinuidade e até uma oposição. […] Só pela transgressão da ordem doméstica e familiar é que nasce o Estado. […] A ordem familiar, em sua forma pura, é abolida por uma transcendência” (Holanda, 2015 p.101)

O autor considera que essa passagem da esfera particular para a pública ocorreu nos países desenvolvidos, principalmente os europeus, que têm um Estado consolidado. Porém essa mudança não ocorreu ainda no Brasil, que apresenta uma predominância das relações familiares na esfera pública.

Para o autor, o próprio homem público brasileiro carrega para suas atividades públicas características do ambiente em que se fez indivíduo, ou seja, traços paternalistas que delimitam sua visão de mundo.

“É possível acompanhar, ao longo de nossa história, o predomínio constante das vontades particulares que encontram seu ambiente próprio em círculos fechados e pouco acessíveis a uma ordenação impessoal. Dentre esses círculos, foi sem dúvida o da família aquele que se exprimiu com mais força e desenvoltura em nossa sociedade.” (Holanda, 2015 p.122)

Para o autor as características de formação do povo brasileiro fornecem obstáculos para o estabelecimento do Estado burocrático brasileiro. Um Estado que tenha uma separação nítida entre o público e o privado, isento das visões patrimonialistas do homem cordial.

 

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Referências

BUARQUE DE HOLANDA, Sérgio. Raízes do Brasil. São Paulo, Companhia das Letras, 2015.

ENDERLE, Rogério; GUERRERO Glaison. A herança patrimonialista na burocracia estatal do brasil: “path dependence” patrimonialista e a falta da autonomia enraizada do estado brasileiro. Disponível em: <http://www.economiaetecnologia.ufpr.br/XI_ANPEC-Sul/artigos_pdf/a1/ANPEC-Sul-A1-02-a_heranca_patrimonialist.pdf>. Acesso em: novembro de 2015.

LACERDA, Marina. Colonização dos corpos: Ensaio sobre o público e o privado. Patriarcalismo, patrimonialismo, personalismo e violência contra as mulheres na formação do Brasil. Disponível em: <http://www.maxwell.vrac.puc-rio.br/16570/16570_5.PDF>. Acesso em: novembro de 2015.

MARRAS, Stelio (Org.). Atualidade de Sérgio Buarque de Holanda. São Paulo, Edusp, 2012.

OLIVERIA, Luiza. O Brasil de Sérgio Buarque de Holanda: do patrimonialismo à democracia. Disponível em: <http://www.uel.br/revistas/uel/index.php/mediacoes/article/view/9351/8066 >. Acesso em: novembro de 2015.

SILVEIRA, Daniel Barile da. “Patrimonialismo e a formação do Estado Brasileiro: uma releitura do pensamento de Sergio Buarque de Holanda, Raymundo Faoro e Oliveira Vianna.” CONPEDI-Conselho Nacional de Pós-graduação em Direito 1 (2006): 203-223.

Disponível em: <http://lms.ead1.com.br/upload/biblioteca/modulo_1745/2FUI7TRGN7.pdf>.

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